JACU: a ave dispersora
Os popularmente conhecidos jacus são aves frugívoras, típicos de florestas tropicais, recorrentes principalmente no continente Americano. São animais dispersores, importantes para dispersão de sementes. Além disso, são aves de grande porte, com alta demanda energética e, por isso, comem bastante, logo dispersam muitas sementes no ambiente. Esse processo ajuda na manutenção ecológica da região na qual ocupam.
O Muses conta com uma peça do Jacu, Jacupemba. Ave típica de regiões de baixa-altitude e conhecidas cientificamente como Penelope superciliaris, a peça chegou ao museu por meio de uma doação. O animal, que provavelmente morreu atropelado, passou pelo processo de taxidermização e hoje segue exposto contribuindo com a história natural.
A coleção de invertebrados do Muses é composta basicamente por peças doadas. Para que isso seja possível, a instituição conta com parceiros como o projeto É o Bicho, realizado pela Concessionária Rodovia do Sol.
O projeto, ativo desde 2000, trabalha em quatro frentes: monitoramento de fauna silvestre morta por atropelamento; resgate de fauna debilitada na Rodovia do Sol; educação e comunicação ambiental; e monitoramento dos sistemas de comunicação destinados à passagem de fauna. É por meio desse primeiro subprograma que é feita a catalogação e o armazenamento dos animais silvestres mortos. Depois desse processo, as carcaças são doadas às instituições de ensino para estudos. Nesta etapa chegam ao Muses. O projeto realizado pela Concessionária é extremamente importante, principalmente porque a rodovia do Sol corta cinco unidades de conservação: o Parque Estadual Paulo Cézar Vinha, a APA de Setiba, a APA da Lagoa Grande, o Parque Municipal de Jacarenema e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Concha D’Ostra.
A família dos Jacus, ou das Penélopes, como são conhecidas cientificamente, conta com outras espécies. Uma delas, famosa e, infelizmente, ameaçada de extinção, é o Jacuguaçu, ou também chamada de Penelope-obscura. Essa é uma espécie mais conhecida, porque é a partir do processo de dispersão dessa espécie que é feito o famoso café de Jacu. O Jacuguaçu é uma espécie de Penelope típica de regiões de alta-altitude, localidade favorável para o plantio de café arábica, que, após o processo de dispersão dos Jacuguaçus, se torna apto para se transformar no café de Jacu.
Jacupemba e Jacuguaçu são espécies da família Cracidae. Ambas as espécies são típicas de florestas, como já dito. Porém uma ocorre em localidades de baixa-altitude e outra em regiões de alta-altitude. Não há fatos mapeados ainda que apontem o porquê dessas aves se dividirem em áreas de baixa e alta altitude, mas muito provavelmente essa distribuição geográfica se relaciona com a disputa de território por alimentação.
Jacuguaçu: o Jacu do café
Assim como a Jacupemba do Muses, o Jacuguaçu também é uma ave frugívora, o que significa que a ave tem uma alimentação composta principalmente de frutos. Não causam prejuízo às sementes de uma planta, pois absorve apenas o fruto, eliminando as sementes intactas por defecação ou regurgitação.
A principal curiosidade sobre o Jacuguaçu tem relação com a bebida mais comum nas manhãs dos brasileiros, o café. Isso porque é a partir de um processo natural realizado pela ave que o Brasil produz e exporta um dos seus melhores cafés: o Café de Jacu, que é chamado assim por ter os grãos coletados das fezes da ave.
O segredo da bebida está no “processo especial” de fermentação das sementes que acontece dentro do sistema digestivo do animal. É através desse processo que as propriedades do café resultam em um sabor único. A coleta das sementes reúne as fezes da ave, que são lavadas até que restem apenas os grãos limpos, prontos para serem torrados.
O início da cafeicultura capixaba
O Café de Jacuguaçu, ou de Jacu, é famoso por seu processo peculiar e seu nível de raridade, mas se tratando de café, o Espírito Santo tem uma longa trajetória, que se inicia na metade do século XIX em terras do sul capixaba. Ao chegar ao estado, o café se mostra muito vantajoso, fazendo conquistas sobre as áreas que antes eram usadas para o cultivo de cana-de-açúcar.
Toda a estrutura produtiva canavieira foi reproduzida nos cafezais: monocultura e regime escravocrata. Na cafeicultura cada escravo era responsável por uma quantidade de pés de café. Segundo uma pesquisa apresentada no VI Congresso Internacional Ufes/Universíté Paris-Est Marne-la-Vallée, no ano de 1874, cada escravo era responsável por 1.390 pés de café, em média. No final do século XIX, os escravos no sul do Estado já cuidam de 4 mil pés de café, fazendo do Espírito Santo responsável por cerca de 5% da produção do sudeste.
Colheita de café.
No ano de 1850, era notável a importância do café no setor econômico do estado, fato que ainda se manifesta na economia de hoje. É nesse mesmo ano que a expansão da cafeicultura se torna responsável por inúmeras mudanças, contribuindo para o surgimento de estradas de rodagem, navegação interprovincial e ferrovias. Além do crescimento das atividades do Porto de Vitória, que beneficiaram ainda mais o desenvolvimento econômico do estado, como ainda pode ser observado atualmente.
Fogo no café
Entre os anos de 1930 e 1960, o Espírito Santo e o restante do país ficou com economia fragilizada em função das crises na cafeicultura brasileira, que decorreram a partir da queda da bolsa de Nova York em 1929. Como os Estados Unidos era o maior comprador do café brasileiro, quando o país Norte-Americano entra em crise, a importação do café diminui muito, levando os preços do produto brasileiro à queda. A solução para evitar uma desvalorização excessiva foi colocar fogo no café. Sendo assim, o governo brasileiro comprou e queimou toneladas de café.
Governo incinera estoques de café.
Por volta de 1962, o Grupo Executivo de Racionalização da Cafeicultura – GERCA elaborou um programa para erradicação dos cafezais situados em regiões brasileiras que apresentavam baixa produtividade, consideradas antieconômicas. A ideia, que pode ter parecido genial no início, não teve um bom final, já que gerou desemprego no setor agrícola. No Espírito Santo, a política de erradicação levou à uma profunda crise social, devido, principalmente, ao problema do desemprego no setor agrícola, que provocou êxodo de famílias para as cidades.
A solução encontrada pelo Governo capixaba e empresários da cafeicultura da época foi pressionar os órgãos Federais. O resultado foi um acordo entre o Governo Estadual e o Instituto Brasileiro do Café (IBC), uma autarquia do Governo Federal, vinculada ao Ministério da Indústria e Comércio, que passou a definir as políticas agrícolas. O acordo garantiu o repasse de recursos para auxiliar a atividade econômica no estado.
O foco na industrialização e na variedade da indústria cafeeira só chega efetivamente em 1969 com a implementação dos incentivos fiscais vinculados ao Governo Estadual. Atualmente o Espírito Santo é o segundo maior produtor de café do país, ficando atrás apenas de Minas Gerais.
Cafés capixabas
O Espírito Santo conta com dois tipos de cafés, o Arábica, precursor da atividade cafeicultora capixaba e o Conilon (Robusta), que surge mais tardiamente, mas que hoje faz do estado o maior produtor de conilon do país.
A cafeicultura de arábica teve início na segunda década do século XIX, e se consolidou como importante atividade econômica com o advento da imigração italiana e alemã. Ocupando mais de 500 mil hectares e sustentando esse título até o ano de 1962.
É também no sul capixaba que o café Conilon surge. As primeiras sementes foram plantadas no município de Cachoeiro de Itapemirim.
A abundância de subsídios e a tradição dos cafeicultores fizeram surgir toda uma mobilização para que o Instituto Brasileito do Café - IBC financiasse lavouras de café Conilon para regiões onde estava impedido o cultivo do Arábica.
No início, os produtores que cultivavam o café Arábica resistiram, temendo que as lavouras de Conilon substituíssem os cafés mais finos, já que os custos de produção eram menores, elevando assim a produtividade do robusta. Esse receio levou os produtores a iniciarem lavouras de Conilon, mesmo sem o incentivo financeiro do governo.
Essa iniciativa valeu a pena. Hoje o café é a principal atividade agrícola do estado. Além disso, o Espírito Santo é o 2º maior produtor de café do país, responsável por cerca de 25% da produção; e o 1º na produção de Conilon, empregando cerca de 350 mil pessoas. Se o Espírito Santo fosse um país, seria o 3º maior produtor de café do mundo.
Café e economia capixaba
O café capixaba não movimenta apenas a economia interna. Para se ter uma ideia, 60% do café Arábica e 10% do café Conilon são destinados à exportação. Os outros 40% e 90%, respectivamente, ficam para o mercado interno. Entre os destinos, destacam-se: Estados Unidos, Eslovênia, Alemanha, países da Região do Mediterrâneo e Argentina.
Esse cenário propicia a influência do café em outras esferas capixabas, como o turismo e a tecnologia. O impacto do café no turismo pode ser observado também no sul do estado, através da Rota dos Vales e do Café, um circuito com praias, natureza, histórias e que conta com três rotas: a da Beleza, o do Turismo de Negócios e a opção para Mochileiros. Os municípios que compõem a Rota são: Muqui, Vargem Alta, Cachoeiro de Itapemirim, Mimoso do Sul e Marataízes.
Marataízes é um dos 5 municípios que compõem a Rota dos Vales e do Café no Espírito Santo.
Ao longo do circuito, é possível observar construções históricas que retratam a época colonial, quando o café era a principal forma de desenvolvimento da região. As belezas naturais são inúmeras, e o passeio é ainda mais enriquecido com as tradições dos imigrantes libaneses, italianos e portugueses. O município de Muqui concentra boa parte da história da indústria cafeeira. São mais de 200 imóveis tombados com arquitetura do século XX, uma verdadeira viagem no tempo. Em Mimoso do Sul, os visitantes podem encontrar as históricas fazendas do ciclo do café. Esse é um passeio turístico super interessante e em quase todas cidades capixabas há cafeterias com cafés de diferentes sabores e modos de preparo.
O café de Jacu que falamos no início do texto é uma outra opção a ser explorada. A fazenda Camocim, única produtora do café no país, recebe visitantes de sexta a domingo. A fazenda fica na Rota do Carmo, em Pedra Azul - Domingos Martins. Apesar do café de Jacu ser um tipo mais raro, é possível saborear uma dose da iguaria também em algumas cafeterias espalhadas pelo estado. O preço do quilo do café de Jacu custa em média R$700, concedendo ao café o título de mais caro café capixaba. O que se justifica através de todo o seu processo de produção.
Henrique Sloper, o grande idealizador do café de Jacu e dono da fazenda Camocim, conta que, para que o café seja produzido, eles praticam uma agricultura sustentável, desse modo toda a produção na fazenda é baseada no conceito de agrofloresta. Além disso, as etapas para o resultado final envolvem seleção, desinfecção, congelamento para atividade microbiótica entre outras fases que se desdobram até a conclusão do trabalho com toda parte de embalagem. O cenário na fazenda Camocim é favorável para a prática da agricultura sustentável, já que a fazenda fica localizada em um vale isolado cercado pela mata, o que faz com que os Jacus retornem e morem nos arredores e até mesmo na fazenda.
Henrique também conta que, para que a produção do café seja possível dentro desse modo sustentável e viável economicamente, é preciso que haja uma grande lavoura, com abundância de café e com quantidade que justifique o tempo e o trabalho empenhado, já que se trata de um processo manual.
É com toda essa estrutura que a fazenda Camocim produz o café mais caro do Estado. Produzindo de 3 a 4 toneladas por ano do café de Jacu e exportando para países como Japão, França, Paris, China, Inglaterra, Áustria, Alemanha, Rússia e outros. Além de todos esses aspectos, o trabalho realizado na fazenda também tem gerado aprendizado sobre os Jacus. Através da presença das aves, tem sido possível compreender os hábitos da espécie, como o fato delas se alimentarem das frutas da estação.
Como pôde ser observado o café realmente movimenta bastante o turismo capixaba, mas não se limita a ele, já que também impacta o setor de inovação e tecnologia. Muitas lavouras já contam com tecnologias que vão do plantio, à fase de pós-colheita otimizando a atividade cafeicultora e gerando economia. Isso significa mais produtividade com menos custos. Irrigação automatizada, medição da fertilidade do solo e consultoria técnica são alguns dos recursos com os quais muitas lavouras já contam. O setor de inovação também tem sido explorado pela cultura cafeicultora. Há empresas que começaram como startups e inovaram na comercialização do café, entregando por assinatura cafés diferenciados direto dos produtores.