Você provavelmente já ouviu o ditado popular que diz: “Deus não dá asa a cobra”! Realmente, cobras não têm asa, e como elas são répteis audaciosos e em alguns casos venenosos, realmente seria assustador se elas voassem. Ah e sim, algumas são venenosas, mas não todas, além de que nem todas são peçonhentas, ou seja matam através de seu veneno.
Entre os répteis, há animais que são venenosos e outros que são peçonhentos, você saberia identificar a diferença? Bom os animais venenosos são aqueles que possuem glândulas de veneno, mas que não possuem uma estrutura especializada para inocular esse veneno. Sapos e pererecas, por exemplo, possuem glândulas de veneno na pele, mas o envenenamento só acontecerá se o animal for perfurado, ou raspado, fazendo com que esse veneno entre em contato com a corrente sanguínea do envenenado.
Já algumas serpentes são peçonhentas, o que significa que além de suas glândulas de veneno possuem estruturas especializadas para a inoculação, no caso, são os próprios dentes. Existem 4 tipos de dentes nas serpentes.
A dentição em que possuem 1 par de dentes inoculadores de veneno que são móveis, posicionados na frente mas voltados para trás, como as presentes em serpentes da família das víboras, como nas jararacas, cascavéis, surucucus. Há uma dentição em que possui 1 par de dentes inoculadores na parte da frente, porém fixos como o caso de serpentes corais e najas. E tem a dentição que possui 1 par de inoculadores de veneno fixos e na parte de trás, como acontece em serpentes da família Colubridae, como as cobras cipós.
Por fim, há também as serpentes cuja arcada dentária não possui nenhum dente para a inoculação de veneno, portanto não são peçonhentas, como é o caso das serpentes da família Boidae, representada aqui pelas Jiboias.
A Boa constrictor (Jiboia) é uma serpente da família Boidae, serpentes caracterizadas por uma cabeça triangular, escamas pequenas e lisas, pupilas verticais, ausência de fosseta loreal (órgão que ajuda na captação de sentidos), cauda grossa e relativamente distinguível do resto do corpo e normalmente preênsil (adaptada para se segurar, criar pontos de apoio para o resto do corpo) e uma dentição do tipo Áglifa, ou seja, não possuem dentes especializados para a inoculação de veneno. Portanto, a presença de pupila em formato de fenda vertical e cabeça triangular não são características determinantes para distinguir serpentes peçonhentas, como é conhecido popularmente. São vivíparas, podendo gerar em média 20 filhotes por ninhada. Como mecanismo de defesa, podem desferir botes ou emitir um som semelhante a um chiado, denominado “sibilo”, que é proveniente da passagem de uma grande quantidade de ar pela traqueia.
As Jibóias são consideradas serpentes de grande porte, geralmente observadas com 1,5 a 2,5 metros, mas podendo chegar até 4 metros de comprimento. São definidas como serpentes semi-arborícolas, podendo ser encontradas tanto no solo quanto nas árvores. Seu período de atividade é variável, podendo ser encontrada ativa, durante o dia e durante a noite. Ocorrem em todas as regiões do Brasil e em outros países, como Venezuela, Trinidad, Colômbia, Guianas, além da América Central e do Norte, sendo nativa em todas essas regiões.
Elas possuem uma dieta exclusivamente carnívora. Por não serem peçonhentas, matam suas presas por constrição, que consiste em se enrolar em volta de sua presa, estrangulando-as até a morte. Por muito tempo acreditou-se que a presa morria por asfixia, porém, estudos revelam que a principal causa da morte se dá pelo interrompimento da circulação aos órgãos vitais, impedindo a chegada de oxigênio ocorrendo antes da asfixia. Apesar de crenças populares, as jiboias não são capazes de engolir animais muito maiores que elas mesmas como bois inteiros ou jacarés, sendo que sua alimentação é basicamente de mamíferos, aves, anuros de pequeno porte.
Existem muitos mitos e histórias populares que envolvem as serpentes, como de que o bafo da jibóia hipnotiza a presa, ou até mesmo que as cobras mamam nos seios de mães lactantes e colocam a cauda na boca do bebê para que ele não chore. É importante ressaltar que serpentes não são mamíferos, portanto, não mamam e como já relatamos anteriormente, sua dieta é exclusivamente carnívora, mas sabemos que muitos desses mitos têm como base algumas situações paralelas. Existem relatos de que a história específica por traz desse mito, data de alguns séculos atrás, desde o período de escravidão no Brasil, até o início da imigração Italiana e Alemã no país, em que muitos imigrantes trabalhavam nas fazendas de grandes produtores rurais.
No século XIX, o Brasil passava por grandes mudanças escravistas. Com a criação da Lei Eusébio de Queirós em 1850 determinando a proibição do tráfico de africanos escravizados, alarmou os proprietários de Terra que acreditavam que isso poderia prejudicar a economia nacional, pela escassez de mão de obra. Foi nesse período que o Espírito Santo começou a receber imigrantes Europeus, principalmente da Alemanha e Itália e a mistura desses povos com os aqui já residentes (Portugueses, africanos, indígenas), compõem todos os principais traços da cultura capixaba.
Algumas cidades ainda preservam patrimônios da história capixaba, como tradições culturais do município de Venda Nova do Imigrante, Santa Tereza, Domingos Martins, alguns sítios históricos de São Pedro do Itabapoana, Muqui, Santa Leopoldina e São Mateus. Apesar dos lindos patrimônios históricos e culturais, sabemos que a realidade por trás da história da imigração no Brasil não foi um mar de rosas. Muitos foram os motivos de escolha do Brasil para imigração, sendo o destaque para as oportunidades de trabalho já que na Europa estava havendo uma grande onda de desemprego causada pela Revolução Industrial, mesmo que em muitos casos, foi análogo à escravidão.
A partir de 1888, com a Lei que decretou o fim do trabalho escravocrata no Brasil, os fazendeiros precisavam de mão de obra barata para trabalharem nas lavouras, e a solução que encontraram foi trazer imigrantes de outros países. A contratação dos imigrantes era por um sistema de parceria, em que os fazendeiros custeavam o transporte dos imigrantes para cá, fazendo com que estes já chegassem endividados. Trabalhavam em fragmentos das fazendas dividindo seus lucros e prejuízos com os fazendeiros, porém eram controlados, sendo o fazendeiro quem vendia as mercadorias. Assim os trabalhadores imigrantes sempre permaneciam endividados, se submetendo a condições de trabalho abusivas.
A história conta que muitas vezes pela situação precária dos escravos e dos trabalhadores imigrantes, muitos passavam fome. Durante o trabalho ordenhando vacas nos celeiros das fazendas, esses trabalhadores aproveitavam para tomar um pouco do leite que tiravam. A desculpa usada para despistar os patrões era de que as cobras tinham bebido leite nas tetas das vacas. Sim, essa era a desculpa e ela era aceita pois as serpentes como as jiboias por exemplo, eram muito comuns de serem encontradas nos celeiros e depósitos das fazendas, porque na verdade, estavam atrás dos ratos e pequenos mamíferos, também comuns nesses ambientes para se alimentarem, além de que, ao matar uma serpente, é comum em algumas espécies a liberação de um líquido esbranquiçado e de aspecto leitoso, fazendo-os pensar que era o leite bebido das vacas.
Esse é apenas um dos muitos inseridos na cultura brasileira, nesse período em que os imigrantes tentavam se adaptar às terras brasileiras. Vemos outros mitos comuns, como “Cobra mal morta que se vinga” “Fumo e borra de café podem curar picada de cobra venenosa”, entre muitos outros, porém informações incorretas, podem acarretar na falta de atendimento médico e adequado em casos de acidentes, e além, piorar a relação ser humano/serpentes que já é fragilizada, levando a um receio ainda maior da população com relação a esses animais em sua maioria inofensivos. Contexto que pode representar mais ameaça às espécies de serpente.
Pensando nisso, no receio que as pessoas têm das serpentes, que em outubro de 2017 foi fundado o Herpeto Capixaba. Um projeto que atua no conhecimento e conservação dos anfíbios e répteis do Espírito Santo, tendo como principais atividades, o desenvolvimento do conhecimento científico das espécies capixabas, a formação de jovens pesquisadores, e principalmente a difusão do conhecimento científico, pelos meios de comunicação, como as redes sociais (Instagram, facebook e twitter), além da organização de eventos online, com palestras, minicursos e mesas redondas. O conteúdo é elaborado de forma que sejam criados espaços de diálogo, visando sempre a conservação da herpetofauna capixaba.
As serpentes fazem parte do grupo dos répteis, que pertencem à subordem Ophidia. Possuem dentição forte, musculatura da cabeça e do corpo bem desenvolvidos. Uma das características mais importantes do grupo das serpentes é o crânio cinético, que permite a movimentação independente dos dois lados da mandíbula, o que auxilia na manipulação e ingestão da presa na ausência de membros. A maioria das serpentes é carnívora e uma minoria é insetívora. As vértebras são curtas e largas, podendo variar de 200 a 400 vértebras. A morfologia interna dos órgãos segue o padrão externo do corpo, sendo estes alongados, por exemplo, o aparelho digestivo, diferente dos mamíferos, é um tubo reto da boca aos anus.
Algumas características permitiram ao grupo a conquista e domínio do ambiente terrestre, como uma pele espessa e impermeável, recoberta por queratina, evitando a desidratação, fecundação interna e ovo amniótico com envoltório externo impregnado com sais de cálcio com diversos gradientes de rigidez, permitindo o abandono do ambiente aquático para a deposição de ovos no meio externo.
Ameaça às jibóias
As Jibóias são serpentes com um grande valor comercial, chamado de “valor de xerimbabo”, o que significa que existe um grande interesse econômico nessas espécies, seja para caça e alimentação, ou para comercializar como animais de estimação. Por não serem peçonhentas, e com padrões de coloração muito bonitos e atrativos, possuem também alto valor no mercado pet, sendo consideradas de “fácil” manuseio e domesticação, tornando-as igualmente atrativas ao mercado ilegal e tráfico de animais, por isso, a espécie consta na lista da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES).
O comércio de jibóias tem se tornado mais difícil pelo declínio da população e consequente pelo surgimento de regulações restritivas de importação e exportação. A alternativa encontrada são os criadouros com fins comerciais e/ou científicos, devendo ser legalizados de acordo com a espécie e a legislação federal e estadual.