Ermitão: a descoberta da cidade perdida e a saúde dos oceanos
Para muitos o fundo do mar é um verdadeiro mistério. Se você já assistiu ao clássico Titanic, pôde observar que uma navegação afundada, por exemplo, pode guardar muitas histórias e segredos. Na verdade, o fundo do oceano realmente guarda muitas curiosidades. Vamos fazer um exercício simples. Olhe para o globo terrestre ou para algum mapa mundi. Qual a cor mais predominante que você vê?! Sim é o azul! Isso porque a água cobre cerca de 70% da superfície da terra. Mesmo diante dessa realidade, apenas 5% dos oceanos foram estudados. Por isso, é fácil concluir que ainda há muito para ser descoberto e explorado no território marinho.
Para se ter uma ideia, o ponto mais profundo do mar chega a ter 11 km de profundidade. É a Fossa Marianas, localizada em uma cadeia montanhosa submersa, descoberta em 1951 por meio de um estudo que mediu a distância em forma de eco, conseguindo chegar nesse número através de cálculos. Apesar de estudos como esse terem sido realizados, estima-se que a ciência conheça apenas uma pequena porcentagem de toda a vida marinha.
A Cidade Perdida do Atlântico
Toda a imensidão do mar ainda guarda muitos mistérios. Em 2000 um desses grandes mistérios foi revelado pela cientista suíça Gretchen Fruh-Green, que através de uma expedição de mapeamento do fundo do mar se deparou com a “Cidade Perdida” uma região há 800 metros de profundidade no norte do Oceano Atlântico que é composta por corais e fontes hidrotermais em forma de torres e chaminés que emitem água quente no fundo da terra. Entre essas fontes hidrotermais, algumas tinham forma de catedrais. Essas fontes ficam longe da luz do sol e do oxigênio, onde placas tectônicas se encontram. É justamente do espaço, dos buracos entre as placas, que sai o calor que vem do interior do planeta em forma de uma água superaquecida e rica em minerais. Esse ambiente se torna propício para a formação de hidrocarbonetos, moléculas essenciais para toda a vida na Terra.
A Cidade Perdida é mais uma prova de que as profundezas do oceano são muito ricas em vida e também em diversidade de espécies. Ao todo já foram catalogadas 220 mil espécies marinhas, mas a estimativa é de que exista até 1 milhão de diferentes formas de vida no mar. Entre essas espécies já mapeadas está o ermitão, e caranguejo-eremita, uma espécie de caranguejo de hábitos noturnos, típica do fundo do mar. À medida que vai crescendo, migra para profundidades mais profundas, de 20 a 40 metros. Apesar de viver no fundo do mar, quando jovem, o ermitão pode ser encontrado próximo às praias. O ermitão é um caranguejo um pouco maior do que as espécies comumente mais populares, podendo chegar a medir 40 cm. O Muses conta com uma peça da espécie em seu acervo e pode ser visto de perto por quem visita a exposição da instituição.
Ermitão: o caranguejo do fundo do mar
O ermitão é uma espécie que faz parte do grupo dos crustáceos, animais invertebrados, em sua maioria, marinhos. Eles possuem uma estrutura rígida e apêndices articulados por todo o corpo, características que possibilitam o grupo ocupar os lugares mais inóspitos do planeta Terra. Além dos caranguejos, também são populares no grupo dos crustáceos os siris, lagostas e camarões. Estima-se que esses animais são os mais abundantes, diversificados e com maior distribuição nos oceanos.
O ermitão é bem mais vulnerável que a maioria das espécies. Isso porque seu abdômen não possui carapaça protetora, por isso eles possuem um diferencial na corrida evolutiva: a habilidade de se protegerem de predadores se abrigando em conchas de moluscos gastrópodes abandonadas ou estruturas semelhantes. Essa relação pode ser denominada como tanatocenose, sendo este o único grupo do mundo animal a apresentá-la. As conchas vão fornecer inúmeras vantagens para os ermitões, como por exemplo: proteção contra os predadores e contra outros caranguejos ermitões; proteção aos ovos; funcionar como escudo para a força das ondas na zona de arrebentação da maré; e outros fatores ambientais.
Um hábito interessante da espécie é o de mudança. Quando o ermitão tem a necessidade de mudar, leva com ele tudo que lhe pertence. Encontrar uma concha vazia para fazer de abrigo é uma questão de sobrevivência para o caranguejo-ermitão, por isso pode chegar a matar um molusco para ocupar sua concha.
Os caranguejos-eremitas estão presentes desde os mares polares até os tropicais, mas para a costa brasileira existem 46 espécies descritas. É um animal que ocorre em todo o litoral brasileiro, normalmente encontrado próximo às rochas, a distribuição da espécie vai do Amapá ao Rio Grande do Sul.
A reprodução da espécie ocorre duas vezes no ano, produzindo de 10 a 15 mil ovos que levam aproximadamente 45 dias para eclodirem. Os ovos fertilizados são mantidos pelas fêmeas fecundados em seus abdomens até libertá-los na água. Geralmente, o macho e a fêmea escolhem lugares mais reservados, para diminuírem os riscos. Esses ovos se desenvolvem e eclodem em pequenas larvas, até se tornarem organismos juvenis, quando precisam recorrer à estratégia da busca por conchas para se protegerem.
A vida desses animais gira em torno de suas conchas protetoras. Essas criaturas espertas são impiedosas quando o assunto é encontrar e roubar as melhores conchas de seus vizinhos. Os ermitões precisam disputar por conchas que sejam adequadas e estejam disponíveis para sua espécie. Se ocuparem uma concha pequena demais, isso impede que os caranguejos entrem totalmente nelas, podendo prejudicar na mobilidade, na agressividade dos seus ataques e no desenvolvimento dos seus apêndices, principalmente das suas quelas, ficando vulneráveis aos predadores. Para escolher ou rejeitar uma concha, vários fatores são avaliados pelos ermitões. Eles analisam tudo! A conservação da concha, o tamanho, o formato de dentro dela, o peso e até mesmo a coloração dela vai influenciar nesse momento.
Atualmente, estão descritas cerca de 1100 espécies de Paguroidea, que é a superfamília em que os ermitões se encaixam. Pesquisadores dividiram o grupo com aproximadamente 120 gêneros, a grande maioria aquáticas, embora existam algumas terrestres.
O Petrochirus diogenes é uma das espécies de caranguejo-ermitão mais famosas simplesmente por ser considerada gigante. A espécie pertence à família Diogenidae e foi descrita por Linnaeus, em 1758. Os caranguejos desse tipo podem ser melhor encontrados em enseadas e recifes no sul e sudeste do Brasil. Eles costumam viver mais afastados da costa, onde a temperatura é menor e a salinidade é maior. Em média, os ermitões vivem cerca de 4 anos.
Os ermitões desenvolveram ao longo dos anos de evolução um leque bem amplo da sua alimentação. A maioria das espécies de ermitões são detritívoras e até necrófagas, estando inclusos na sua dieta caracóis aquáticos, bivalves, vermes, larvas, algas e até dejetos marinhos. Por isso, para sobreviver, além de usar conchas de outros crustáceos, a espécie também faz protocooperação, que é quando duas espécies distintas interagem entre si de forma benéfica.
O ermitão se relaciona dessa forma com as anêmonas-do-mar. A espécie protege o ermitão com suas células urticantes, que afastam os predadores. Em troca, ela recebe os pedacinhos de alimentos que se desfazem quando o ermitão se alimenta. Além disso, a anêmona também aproveita o deslocamento junto com o caranguejo. O ermitão fica protegido de seus predadores e a anêmona ganha transporte, já que esse é um animal que não se move. Nessa protocooperação, os ermitões fazem proveito dos tentáculos delas e conseguem às vezes até algum tipo de camuflagem.
A saúde dos oceanos e a busca por sobrevivência do Ermitão
Segundo a Organização das Nações Unidas - ONU, há 13 mil pedaços de plástico em cada quilômetro do oceano e, por ano, o mar recebe cerca de 10 milhões de toneladas de plástico. Nesse ritmo, há estimativas que apontam que até 2050 haverá mais plásticos nos oceanos do que peixes.
O lixo nos oceanos é um dos maiores problemas atuais. Estima-se que dentro de aproximadamente 30 anos, haverá mais lixo do que peixes nos oceanos.
Infelizmente o lixo não é o único problema com o qual os oceanos precisam lidar. Há ainda a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, resultado da ação humana que também impacta nos oceanos. Esses gases foram e são capazes de mudar o ambiente marinho. Por meio do fenômeno, o oceano foi aquecido em 0,7 ° C desde o século XIX, e tem danificado corais e incentivado organismos a migrar para os pólos em busca de águas mais frescas.
Além disso, a alta concentração de dióxido de carbono na água torna-as mais ácidas. Nesse cenário, diversas criaturas são prejudicadas, entre elas os caranguejos, cujas conchas de carbonato de cálcio sofrem com a alteração da química marinha.
O que resta para essas espécies é tentar sobreviver se adaptando ao ambiente modificado. Em 2017, o fotógrafo capixaba Leonardo Merçon registrou, em uma praia da ilha espanhola de Grã Canária, na costa da África, a cena de um peixe entrando e saindo de uma garrafa. Esse peixe era uma Maria-da-Toca, como é popularmente conhecido, uma espécie típica da região. Além da garrafa, usada como casa pelo peixe, haviam outros objetos jogados na localidade.
O ermitão também é uma espécie que por vezes já precisou se adaptar às condições modificadas pela ação humana nos oceanos. Em 2020, o registro da fotógrafa Shane Keena, de um caranguejo-eremita usando uma lata como carapaça, venceu na categoria “Conservação Marinha” do concurso internacional “Fotógrafo Subaquático de 2020”. A imagem foi capturada na ilha de Peleliu, na Micronésia.
A foto do ermitão nessa condição, feita por Shane, não é o primeiro registro da espécie usando objetos oriundos da poluição como carapaça. Como já mencionado, o caranguejo-eremita não possui carapaça em seu abdômen e, por isso, para se proteger adota conchas de outros animais. Na falta dessas conchas ou no excesso desses objetos no mar, a espécie acaba por usar um deles como “carapaça de proteção”, uma cena infeliz de se ver, mas que evidencia que o ermitão e outras espécies precisam sobreviver também a ação humana e os impactos dela nos oceanos.
Caranguejo-eremita (ou ermitão) utilizando uma lata como carapaça.
Ermitão do Muses
O Ermitão exposto no Muses é da espécie Petrochirus Diogenes, conhecido como ermitão gigante. A peça em exposição pesa em torno de 300g e o tamanho chega a uns 30cm. O Ermitão do Muses é uma peça que chegou ao museu em 2012 por meio de um projeto de pesquisa que realizava arrasto utilizando barco com rede.
Pesquisadores acreditam que o Ermitão surgiu durante o período jurássico, ou seja, há cerca de 199 milhões de anos atrás. O ermitão é uma espécie detritívora, ou seja, auxilia na ciclagem de nutrientes, nos ciclos biogeoquímico e ocupa diversas posições na cadeia trófica.