História de Portugal

Governantes

Marcello Caetano e a Primavera Marcelista

Marcello José das Neves Alves Caetano (Lisboa, 17 de agosto de 1906 — Rio de Janeiro, 26 de outubro de 1980) foi um jurisconsulto, professor de direito e político português. Proeminente figura durante o regime salazarista, foi o último Presidente do Conselho do Estado Novo.

Marcello Caetano

Bandeira - Estado Novo

Família

Era o mais novo de seis filhos e filhas de José Maria de Almeida Alves Caetano (Pessegueiro, Pampilhosa da Serra, bap. 1 de Outubro de 1863 - Lisboa, 27 de Janeiro de 1946) e de sua primeira mulher (Santo Antão, Évora, 26 de Julho de 1890) Josefa Maria das Neves (Colmeal, Góis, 25 de Julho de 1859 - Lisboa, 1 de Março de 1917). O seu pai era sargento do Corpo de Cavalaria da Guarda Fiscal, subinspetor da Alfândega de Lisboa, fundador e tesoureiro da Conferência de São Vicente de Paulo, dos Anjos, e presidente honorário da Liga de Melhoramentos da Freguesia do Pessegueiro.

O seu irmão Manoel Caetano (1926—2018) foi apresentador do Telejornal da RTP.

Infância e juventude

Nascido em Lisboa, no bairro da Graça, a sua infância foi marcada pela morte da mãe aos dez anos e, depois, pelos anos conturbados da Primeira República. Influenciado pelo pai, desejou tornar-se padre e, mais tarde, médico, acabando por cursar Letras no Liceu Camões e seguir para a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Marcelo Caetano licenciou-se em Direito em 1927, e doutorou-se em Ciências Político-Económicas, 1931; foi de resto o primeiro doutorado desse grupo, na Faculdade de Direito de Lisboa.

Casou a 27 de outubro de 1930, com Teresa Teixeira de Queirós de Barros (23 de Julho de 1906 - 14 de Janeiro de 1971), filha do pedagogo republicano João de Barros e de sua mulher Raquel Teixeira de Queirós e neta paterna do 1.º Visconde da Marinha Grande. Teresa de Barros era ainda irmã de Henrique de Barros, que foi sempre oposicionista ao Estado Novo e, aliás, Presidente da Assembleia Constituinte, em que se aprovou a Constituição Portuguesa de 1976.

Percurso académico e profissional

Depois de exercer a função de conservador do Registo Civil, concorreu a professor extraordinário da Faculdade de Direito de Lisboa em 1933, e atingiu a cátedra em Ciências Jurídico-Políticas, em 1939.

Paralelamente, foi chefe de contencioso da Companhia de Seguros Fidelidade e auditor jurídico no Ministério das Finanças, sendo ministro António Oliveira Salazar.

Como académico, Caetano foi o fundador do moderno Direito Administrativo português, cuja disciplina sistematizou e ordenou, influenciando sucessivas gerações de juristas, no modo de pensar uma Administração Pública limitada pelos direitos dos particulares e sujeita a controlo jurisdicional, embora limitado por considerações políticas. Da sua escola sairiam professores como Armando de Almeida Marques Guedes, André Gonçalves Pereira, Jorge Miranda, Diogo Freitas do Amaral, Fausto de Quadros, José Manuel Sérvulo Correia ou Marcelo Rebelo de Sousa

Em 1937 publica a primeira edição do seu Manual de Direito Administrativo que, em sua vida, veio a conhecer dez edições (a última é de 1973), todas melhoradas; este manual é ainda hoje considerado uma obra de referência no estudo do Direito Administrativo, tendo aliás influenciado outros manuais, como o Curso de Direito Administrativo de Freitas do Amaral.

Foi também professor de Ciência Política e Direito Constitucional e também aqui deixou a mesma influência nos vindouros — estudaram-se, pela primeira vez de um ponto de vista jurídico e sistemático, os problemas dos fins e funções do Estado, da legitimidade dos governantes e dos sistemas de governo. Finalmente foi ainda um notável historiador do Direito português, designadamente, no período da Idade Média portuguesa.

Exerceu o cargo de administrador do Banco Nacional Ultramarino, após sair do governo, em 1948.

Publicou artigos sobre os mais variados assuntos em jornais diversos; também se encontra colaboração da sua autoria na Revista Municipal (1939-1973) publicada pela Câmara Municipal de Lisboa.

Carreira política

Inicialmente ligado aos círculos políticos monárquicos católicos do Integralismo Lusitano, ainda jovem participou na fundação da Ordem Nova (1926-1927), um movimento que se auto-classificava de antimoderno, antiliberal e antidemocrático, cuja revista Marcelo Caetano dirigiu. Em seguida, apoiou a Ditadura Militar de 1926 a 1928, rompendo definitivamente com a defesa da via monárquica e do Integralismo Lusitano em 1929.

Apoiante do regime autoritário de Salazar, participaria na redacção do Estatuto do Trabalho Nacional e da Constituição de 1933. Na qualidade de Presidente da Direcção do Grémio dos Seguradores, integra ainda em 1933, pela primeira vez a Câmara Corporativa, na I Legislatura, tendo sido nomeado pelo Conselho Corporativo nas restante 3 legislaturas (III, V, VI) em que pertenceu a este órgão. Em 1934 apresentou o projecto de Código Administrativo e, em 1939, presidiu à revisão do mesmo.

Em 28 de Maio de 1937 (11.º aniversário da Revolução de 28 de Maio de 1926) o presidente da república Óscar Carmona atribui-lhe a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo.

Marcelo Caetano tornar-se-ia assim um dos mais prestigiados dirigentes do Estado Novo e das suas instituições. Foi comissário nacional da Mocidade Portuguesa (1940-1944), ano em que a 31 de Outubro recebeu a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública, ministro das Colónias (1944-1947), tendo recebido a 16 de Dezembro de 1953 a Grã-Cruz da Ordem do Império, presidente da Câmara Corporativa e ministro da Presidência do Conselho de Ministros (1955-1958). Nesta última data, porém, na sequência de uma crise política interna do regime, viu-se afastado por Salazar da posição de número dois do regime, interrompendo o seu percurso político; aceitando porém assumir funções no partido único União Nacional, como presidente da Comissão Executiva.

Regressado à vida académica, foi designado reitor da Universidade de Lisboa em 1959, demitindo-se em 1962, no seguimento da Crise Académica desse ano e em protesto contra a acção repressiva da polícia de choque, contra os estudantes.

A 1 de Julho de 1966 Américo Thomaz agraciou-o com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada.

Último Presidente do Conselho do Estado Novo, foi deposto pela Revolução de 25 de Abril de 1974. Ficou conhecido por ser dos raros membros do Governo de Salazar a favor duma maior liberdade de expressão e pela introdução de ligeiras mudanças no regime, sendo a ala marcelista conotada com a tentativa de reformar o regime por dentro. De resto, apontam os historiadores, que seria intenção do Presidente da República Francisco Craveiro Lopes, afastado por Salazar, dar o cargo de Presidente do Conselho a Marcelo se se concretizasse a sua reeleição, em 1958. Contudo, quando assumiu o poder, em 1968, Marcelo Caetano, apesar de promover alguma liberalização e novas políticas sociais; o que passaria à história como a Primavera Marcelista — e até das sucessivas propostas de democratização da Ala Liberal, não implementou a democracia nem logrou uma solução para o grave problema colonial.

Tendo pedido a sua exclusão do Conselho de Estado, de que era membro vitalício, não explicou nas suas memórias por que razão, em 1968, na altura do afastamento de Salazar, voltou a esse mesmo Conselho e acabou por ser nomeado presidente do Conselho de Ministros.

Presidente do Conselho de Ministros

Vendo que Salazar estava impossibilitado de governar, Américo Thomaz chamou Marcello Caetano a 27 de Setembro de 1968 para o substituir.

O país "herdado" de Salazar era manifestamente diferente de 40 anos antes:

Por um lado, a economia estava então em acelerado crescimento, graças às políticas económicas e sociais empreendidas por Salazar, bem como graças aos auxílios externos recebidos por Portugal no âmbito do Plano Marshall. Também a participação de Portugal na EFTA desde 1961 contribuía para a internacionalização e crescimento da economia Portuguesa.

Por outro lado, havia-se atingido a escolaridade obrigatória universal, tinham quintuplicado o número de estudantes no liceu e triplicado nas universidades desde 1928.

Isto levava a que Portugal tivesse, principalmente nas cidades, uma nova burguesia que via em Caetano a esperança de abertura política do Estado Novo. Esta burguesia esperava de Caetano eleições livres e ainda maior liberalização da economia.

Caetano sentia que o apoio desta nova classe era fundamental e tomou algumas iniciativas políticas como renomear a PIDE como Direção-Geral de Segurança e permitir à oposição concorrer às eleições legislativas de 1969, no entanto, mais uma vez, sem uma hipótese realística de alcançar quaisquer lugares na Assembleia Nacional. Também passou a aparecer semanalmente num programa da RTP chamado Conversa em Família, explicando aos Portugueses as suas políticas e ideias para o futuro do país.

Do ponto de vista económico e social, criou pensões para os trabalhadores rurais que nunca tinham tido oportunidade de descontar para a segurança social e lançou alguns grandes investimentos como a refinaria petrolífera de Sines, a Barragem de Cahora Bassa, entre outros.

A economia reagiu bem a estes investimentos e a população reagiu bem à abertura que apelidou de Primavera Marcelista, vindo a ser agraciado a 20 de Outubro de 1971 com a Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.

No entanto, uma série de razões vieram a provocar a insatisfação da população. Por um lado, uma ala mais conservadora do regime, liderada pelo Presidente Américo Tomás, recusava maiores aberturas políticas e Caetano via-se impotente para fazer valer verdadeiras reformas políticas. Por outro lado, a crise petrolífera de 1973 fez-se sentir fortemente em Portugal. Por último, a continuação da Guerra Colonial, com o consequente derrame financeiro para a sustentar. Todos estes motivos levaram à crescente impopularidade do regime e, com ele, do seu líder.

Todos estes motivos contribuíram para o golpe militar do 25 de Abril que veio a derrubar o governo de Marcello Caetano.

Pós 25 de Abril de 1974

Após a Revolução de 25 de Abril de 1974, Marcello Caetano foi destituído de todos os seus cargos, tendo sido acordado aquando da sua rendição no Quartel do Carmo em Lisboa a sua condução imediata, pelo Capitão Salgueiro Maia, para o Aeroporto da Portela, exilando-se no Brasil. A seguir ao golpe de Estado, vaticinou:

“Sem o Ultramar estamos reduzidos à indigência, ou seja, à caridade das nações ricas, pelo que é ridículo continuar a falar de independência nacional. Para uma nação que estava em vésperas de se transformar numa pequena Suiça, a revolução foi o princípio do fim. Restam-nos o Sol, o Turismo, a pobreza crónica, a emigração em massa e as divisas da emigração, mas só enquanto durarem.

As matérias-primas vamos agora adquiri-las às potências que delas se apossaram, ao preço que os lautos vendedores houverem por bem fixar. Tal é o preço por que os Portugueses terão de pagar as suas ilusões de liberdade.”

O exílio retirou-lhe o direito à pensão de reforma no fim da sua carreira universitária. No Brasil prosseguiu a sua actividade académica como director do Instituto de Direito Comparado da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro. Recebeu, também, o título de Professor 'honoris causa' da Faculdade de Direito de Osasco (UNIFIEO), no estado de São Paulo.

Marcello Caetano morreu aos 74 anos, a 26 de Outubro de 1980, vítima de ataque cardíaco. A sua morte aconteceu pouco tempo antes de ser publicado o volume I (e único) da sua História do Direito Português, que abrange os tempos desde antes da fundação da nacionalidade até ao final do reinado de D. João II (1495), incluindo um apêndice sobre o feudalismo no extremo ocidente europeu. Morreu sem nunca ter sido autorizado a regressar a Portugal do exílio no Brasil, onde morava no bairro carioca de Copacabana.

Seu corpo foi sepultado no Cemitério São João Batista, em Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro.

Obras publicadas

Ao longo da sua vida, publicou mais de 100 títulos, incluindo vários sobre Direito Administrativo, História do Direito Medieval Português e outros em conjunto com diversos autores. Destacam-se aqui as seguintes obras:

Lições de Direito Penal

Legislação Civil Comparada (1926)

Lições de Direito Corporativo (1935)

O Sistema Corporativo (1938)

Problemas da Revolução Corporativa (1941)

Donde Vem o Nome de "Inconfidência Mineira"? (1944)

Predições Sem Profecia Sobre Reformas Sociais (1945)

Posição Actual do Corporativismo Português (1950)

Lições de Direito Constitucional e Ciência Política (1952)

As Cortes de Leiria de 1254 (1954)

Os Nativos na Economia Africana (1954)

Ciência Política e Direito Constitucional (1955)

O conselheiro Doutor José Dias Ferreira (1955)

Regimento dos Oficiais das Cidades, Vilas e Lugares Destes Reinos (1955)

Manual de Direito Administrativo (1956)

Problemas de Administração Local (1957)

Perseverança no Presente e Confiança no Futuro (1957)

Salazar: um Mestre (1958)

Das Fundações (1962)

Subsídios para a História das Cortes Medievais Portuguesas (1963)

Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos (1963)

Constituições Portuguesas (1965)

História Breve das Constituições Portuguesas (1968)

Factos e Figuras do Ultramar (1973)

A Verdade Sobre o 25 de Abril (1976)

Minhas Memórias de Salazar (1977)

História do Direito Português (1978-1980)

Primavera Marcelista

Primavera Marcelista designa o período inicial do governo de Marcelo Caetano, entre 1968 e 1970, no qual se operou uma certa modernização económica e social e uma liberalização política moderada, criando a expectativa de uma verdadeira reforma do regime em Portugal, o que não chegou a acontecer.

Marcelo Caetano foi escolhido para suceder a António de Oliveira Salazar em Setembro de 1968, após este ter sofrido um acidente vascular cerebral que o impossibilitou de continuar a exercer o cargo de presidente do conselho de ministros. Tido com um democrata, Caetano rodeou-se de representantes de uma nova vaga de tecnocratas, introduzindo alterações em diversos sectores:

Economia

Fim do condicionalismo industrial, abrindo-se o país ao investimento estrangeiro.

Lançamento de grandes obras públicas, tais como os do porto de Sines e a barragem do Alqueva.

Aproximação à então Comunidade Económica Europeia (CEE).

Sociedade

Melhoria da assistência social.

Ensaio de algumas propostas de democratização do ensino, lançadas pelo ministro da Educação Veiga Simão.

Vida política interna

Dentro de um conceito de concessão de liberdade possível, registaram-se medidas de descompressão sobre as oposições legais ou semilegais, sendo autorizado o regresso de alguns exilados, como Mário Soares e D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto. Autorizado também o III Congresso Republicano que reuniu a Oposição em Aveiro.

Eliminação de algumas restrições à actividade sindical.

Abrandamento da vigilância dos serviços de censura, que se passou a designar por Exame Prévio.

Redução dos poderes da polícia política, que passou de Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) para Direcção-Geral de Segurança (DGS).

Abertura do próprio partido único de apoio ao regime — União Nacional, rebaptizado Acção Nacional Popular, em 1970 — à expressão organizada de opiniões divergentes, com a constituição da Ala Liberal, assumidamente reformista, de que faziam parte Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão e Mota Amaral, entre outros, e que viria a ter representação parlamentar.

Política colonial

Prossecução da opção militar, rejeitando-se a via das negociações e a concessão de independências às províncias ultramarinas.

Alterações significativas no discurso oficial, colocando a tónica na autonomia progressiva, subentendendo-se muito tenuemente uma tendência para aceitar independências brancas.

A tentativa de legitimação da viragem política do regime foi feita através das eleições legislativas de 1969, tendo o governo demonstrado sensibilidade a algumas questões de direitos humanos: alargando o direito de voto; legalizando certos grupos oposicionistas (até aí apenas tolerados), sendo-lhes permitida a fiscalização de cadernos eleitorais e do próprio acto eleitoral; e abrandando a censura em época de campanha eleitoral.

A política de abertura de Marcello Caetano provocou reacções muito díspares em Portugal:

No campo político afecto ao governo e ao regime houve clivagens, por vezes muito profundas, entre reformadores e integristas;

A oposição — tanto a legal, como a ilegal — também se fraccionou entre aqueles que aceitavam a liberalização como uma via genuína para a democratização do regime a médio e talvez mesmo a curto prazo e os que continuavam a olhar com desconfiança as novas políticas.

Em Abril de 1969, na cerimónia de inauguração do novo edifício das Matemáticas da nova Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, a recusa da palavra ao presidente da Associação Académica de Coimbra — acto que levou o presidente da República Américo Tomás a ser vaiado e o presidente da Associação Académica de Coimbra a ser preso —, provocou uma crise académica resultando numa série de greves, que se prolongariam até Setembro desse ano. Este acontecimento, juntamente com a continuação da guerra colonial e a recusa da adopção de reformas mais profundas sugeridas pelos deputados da Ala Liberal — que os levou a abandonar a Assembleia Nacional, indo vários deles fundar o jornal Expresso — e, mais tarde, a crise do petróleo de 1973 e a consequente subida generalizada dos preços, veio mostrar que as hipóteses de concretização do slogan do regime Evolução na Continuidade eram nulas, abrindo-se o caminho à Revolução dos Cravos em 25 de Abril de 1974.

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